O que a legislação do Brasil pode fazer pelos brasileiros presos no exterior?
 22/02.2022 – Compartilhe! Foto: Divulgação
A semana começou com grande repercussão por dois casos de prisão envolvendo brasileiros no exterior. Três brasileiros foram presos, na última sexta-feira (18), na Tailândia, e estão sendo investigados por tráfico internacional de drogas, dentre eles a jovem Mary Hellen Coelho Silva. Já no sábado (19), uma brasileira, identificada como Leticia Vilhena Ferreira, foi acusada e presa por ter participado de uma invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos. Este segundo caso ocorreu em 2020, quando apoiadores de Donald Trump invadiram o edifÃcio, em Washington, numa tentativa de reverter a vitória de Joe Biden na eleição presidencial americana.
Ambos os casos tomaram grande repercussão, pois serão julgados a partir da legislação dos paÃses em que os crimes foram cometidos. Na Tailândia, por exemplo, o tráfico de drogas pode ser punido com a pena de morte. Já Leticia está respondendo por dois crimes: entrar ou permanecer conscientemente em qualquer edifÃcio restrito sem motivos ou autorização legal; e entrada violenta e conduta desordeira.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), os casos mais comuns de prisão de brasileiros em paÃses estrangeiros remetem ao tráfico internacional de drogas. Segundo o Órgão, atualmente, há mais de 5.000 brasileiros presos pelo mundo. Desses, são mais de 1.800 só no continente europeu, sendo que Portugal é o paÃs com a maior população carcerária de brasileiros. Mas quando um é preso no exterior, o que a legislação brasileira pode fazer?
O doutor em Direito Internacional, Rui Badaró, explica que, nesses casos, “o brasileiro que cometeu um crime será processado e julgado no território do crime cometido, exceto nos casos em que seja possÃvel aplicar o princÃpio da extraterritorialidade, previsto no artigo 7º do Código Penal Brasileiro”. Ao Brasil, por meio do MRE, cabe apenas a assistência consular e o acompanhamento do caso sem qualquer interferência.
Em outras palavras, a Lei do Brasil não se aplica ao brasileiro que comete um crime no exterior, salvo nos casos em que é possÃvel aplicar o princÃpio da extraterritorialidade. “Uma vez preso, o brasileiro nesta situação tem o direito, pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de comunicar o Consulado, para que este contate a famÃlia ou a pessoa indicada por ele. Se houver acordo de cooperação judiciária internacional em matéria penal com o paÃs onde o brasileiro cometeu o crime, uma vez condenado, ele poderá cumprir a pena no Brasil, desde que observadas todas as exigências previstas no acordoâ€, explica.
O papel do Brasil, por meio do MRE, se limita a fornecer assistência consular para os cidadãos brasileiros, respeitando os tratados internacionais vigentes e a legislação do paÃs estrangeiro. Badaró explica que nos casos de brasileiros já condenados, presos no exterior, o MRE, poderá, através da Divisão de Cooperação JurÃdica Internacional (DCJI), tratar de assuntos sobre transferência de presos, extradição, subtração internacional de menores e cartas rogatórias.
O especialista explica, ainda, que o Instituto de Transferência de Pessoas Condenadas (TPC), para o cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais em seus paÃses de origem, tem cunho essencialmente humanitário, visando a proximidade da famÃlia e de seu ambiente social e cultural para facilitar a reabilitação do condenado após o cumprimento da pena. “A Organização das Nações Unidas tem insistido quanto à imprescindibilidade de tal cooperaçãoâ€.
A Lei de Migrações (13445/2017) que trata, dentre outros assuntos, da Transferência de Pessoa Condenada, tem por fundamento a existência de um tratado internacional entre os Estados envolvidos ou uma promessa de reciprocidade. O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação JurÃdica Internacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é o responsável pelos casos relacionados à transferência de pessoas condenadas no estrangeiro.
Existem algumas limitações na assistência consular que podem ser dadas aos brasileiros no exterior, ou seja, dentre as ações que não podem ser feitas, estão:
– Ser parte ou procurador em processos judiciais envolvendo cidadãos brasileiros;
– Tornar cidadãos brasileiros imunes à legislação migratória de outros paÃses;
– Interferir em questões de direito privado, como direitos do consumidor ou questões familiares;
– Acelerar o trâmite de processos judiciais de brasileiros no exterior;
– Interferir em caso de negação de entrada em outros paÃses;
– Investigar, por conta própria, crimes ou desaparecimentos;
– Oferecer refúgio ou hospedagem gratuita no local da Repartição, a não ser em situação de comprovada calamidade;
– Organizar viagens de brasileiros a outros paÃses;
– Interferir para libertar cidadãos brasileiros detidos;
– Agir em desacordo à legislação local ou a decisões judiciais (brasileiras ou estrangeiras);
– Ser conivente com a subtração internacional de menores, ainda que em favor do genitor brasileiro.
Segundo o Professor Rui Badaró, LetÃcia, presa nos Estados Unidos, será investigada e julgada no paÃs americano conforme a lei vigente e, se condenada, receberá as punições do paÃs. Já Mary Hellen, junto aos outros dois brasileiros, enfrentará o processo pelo crime cometido, no caso, tráfico internacional de drogas, e, havendo condenação, uma vez que a Tailândia prevê para esses crimes a pena capital em determinadas situações, essa é uma das possibilidades.
“É importante ressaltar que o Brasil não possui acordo bilateral com a Tailândia em matéria penal de cooperação judiciária internacional, logo, no caso de condenação, para requerer a transferência de pessoa condenada, seria necessária uma promessa de reciprocidadeâ€, afirma. Mas o especialista lembra que o caso desses brasileiros não é isolado.
Em 2020, a brasileira Yasmin Fernandes Silva foi presa em Manila, capital das Filipinas, com seis quilos de cocaÃna e aguarda julgamento. “A prisão da brasileira coincide com a discussão sobre a volta da aplicação da pena morte para condenados por tráfico de drogas, estupro e homicÃdio nas Filipinas. Embora tenha sido abolida em 2006, a pena de morte é defendida pelo presidente Rodrigo Duterte, que prometeu cumprir a medida, uma de suas promessas de campanha. Lembro, também, o caso do Rodrigo Gularte, paranaense preso, processado, julgado e condenado a pena capital na Indonésia, tendo sido executado em 29 de abril de 2015â€, finaliza.